No contexto de alimentos, há uma preocupação constante quanto à presença de contaminantes e impurezas que podem oferecer riscos à saúde e demandam ações de avaliação e controle. De fato, com frequência, é possível encontrar notícias com eventos envolvendo a exposição humana a substâncias tóxicas indesejáveis através de alimentos de consumo diário, que podem ser formados na indústria, mas também, no ambiente doméstico (armazenamento inadequado, forma de preparo, desvios de uso etc.).
Estes contaminantes de natureza orgânica e/ou metálica devem ser avaliados quanto ao risco toxicológico, envolvendo diversas potenciais fontes no processo de produção e/ou preparo previsível:
- Migração de componentes das embalagens e materiais em contato com alimentos (food-contact materials)
- Impurezas de matérias-primas, componentes do processo de fabricação/processamento ou de cultivo (ex: agrotóxicos)
- Toxinas (originadas por contaminação biológica)
- Reações de degradação de ingredientes
- Oxidação, fotólise, hidrólise, contato com metais (embalagem) e outros
- Produtos de degradação térmica no preparo ou cenário de uso
- Complexa por amplas faixas de temperatura e diferentes processos de preparo (cozimento, tostagem, difusão, etc.)
Produtos de degradação térmica e os NFCs – Neo-formed contaminants
Diversos estudos técnico-científicos indicam que processos térmicos podem degradar tanto os ingredientes naturais como aqueles sintéticos, provocando a perda de nutrientes no alimento e/ou dando origem a contaminantes não desejáveis que podem representar preocupação para a saúde, chamados de contaminantes neoformados ou NFCs (neo-formed contaminants).
Em altas temperaturas, diversas matrizes alimentares, a partir de seus ingredientes naturais (aminoácidos, proteínas, açúcares, óleos e gorduras e outros) ou sintéticos, podem sofrer degradação, com vias e reações que podem, Reação de Maillard, combustão incompleta e pirrólise.
Alguns destes contaminantes têm sido amplamente relatados e discutidos na literatura devido à maior relevância na ocorrência em alimentos, e, podem ser considerados NFCs clássicos: cloropropanóis, aminas heterocíclicas, nitrosaminas, hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, acrilamida e acrylamide and 5-hidroximetilfurfural (HMF). Alguns exemplos de alimentos comuns e seus respectivos NFCs são:
- Óleos, gorduras, comestíveis e hidrolisados de proteínas submetidos a altas temperaturas:
- 1-3dicloropropan-2-ol, 2,3-dicloropropan-ol e 3-monocloropropano-1,2-diol (3- MCPD), alguns dos quais classificados como possivelmente carcinogênicos para humanos pela International Agency for the Research on Cancer−IARC (Grupo 2B)
- Açúcares: sacarose, hexose, glicose e frutose:
- 5-hidroximetil-2-furfural (HMF)
- Biscoitos/Batatas
- Acrilamida e (5-HMF): A Food and Drug Administration publicou uma recomendação sob o título “Guidance for Industry Acrylamide in Foods”, com um conjunto de sugestões de medidas gerais não compulsórias para amenização da taxa de formação
- Carnes, grelhados, assados e defumados, e café na tostagem dos grãos
- Hidrocarbonetos Aromáticos Policíclicos (PAHs)
Torna-se necessário, portanto, avaliar a toxicidade de NFCs quimicamente plausíveis, segundo a extensão e relevância de sua formação a em diversos cenários de preparo/uso, e para aqueles considerados plausíveis e relevantes, pode ser necessária a avaliação de risco de cenários de exposição e caracterização dos limites considerados aceitáveis.
Para avaliação da toxicidade de NFCs, conforme diretrizes internacionais, podem ser utilizados modelos in silico, sem o uso de animais, para a verificação do potencial de genotoxicidade através de alertas estruturais e caracterização de limites aceitáveis através da abordagem de cálculo de TTC (Threshold of Toxicological Concern), conforme recomendações da European Food Safety Authority (EFSA).
Para as substâncias genotóxicas, o Threshold of Toxicological Concern (TTC) é um valor prático que representa o nível de exposição a uma molécula genotóxica associado com um risco teórico de câncer de 1 em 1.000.000 indivíduos na população, quando expostos ao longo da vida, que é considerado um nível de risco aceitável. Considerando o risco carcinogênico para uma substância cuja estrutura apresente alertas para a genotoxicidade (com maior relevância em baixas doses), um valor ajustado de 0,15 μg/dia é geralmente recomendado e pode representar um nível de risco considerado aceitável.